Crise da Evergrande

Descubra as ramificações globais da crise da Evergrande na China e seu impacto direto no Brasil. Entenda as implicações da liquidação da gigante imobiliária para os mercados de minério de ferro, economia e emprego, enquanto Hong Kong enfrenta desafios legais. Saiba como a decisão judicial histórica afeta as empresas brasileiras e as exportações, em meio a preocupações com a estabilidade econômica global.

ECONOMIA

Marcelo Oliveira Jr

1/30/2024

"É Basta", expressou um magistrado de Hong Kong em 29 de janeiro sobre Evergrande, um colosso imobiliário chinês insolvente, e sua batalha de dois anos para evitar reembolsar seus credores. Num veredicto histórico, o tribunal determinou a liquidação da corporação, que, com passivos superiores a 300 bilhões de dólares, é o empreendimento imobiliário mais endividado globalmente. Um administrador provisório será designado para supervisionar a gestão da empresa. Agora, os credores internacionais devem perseguir a recuperação de suas perdas de uma entidade que concentra a maior parte de seus ativos na China continental. Tal decisão pode colocar os tribunais de Hong Kong em conflito com um governo chinês decidido a restaurar a confiança pública num mercado em crise.

Nenhuma empresa desempenhou um papel mais central na crise imobiliária da China, a qual teve início quando a Evergrande começou a mostrar sinais de fragilidade em meados de 2021. Regulamentações governamentais destinadas a conter a alavancagem acabaram por empurrar a empresa para o calote no final do mesmo ano. Desde então, a maioria das incorporadoras imobiliárias listadas na China tem lutado para reembolsar investidores ou foram compelidas a reestruturar suas operações. Seu acesso ao crédito foi praticamente interrompido, levando os construtores a suspenderem projetos em todo o país. Potenciais compradores de imóveis postergaram suas aquisições, resultando numa queda de 6,5% nas vendas, ano após ano. Isso tem afligido uma população cuja riqueza está predominantemente vinculada a propriedades.

Até recentemente, as autoridades políticas esperavam que uma reestruturação bem-sucedida da Evergrande pavimentasse o caminho para uma recuperação gradual e constante do mercado. Contudo, a Evergrande falhou em cumprir prazos cruciais para elaborar um plano de reestruturação e, quando o apresentou, decepcionou os investidores. Sua proposta, alvo de críticas por parte dos detentores de títulos, envolvia conceder aos credores participação em outros empreendimentos da Evergrande, como sua divisão de veículos elétricos. Em vez de restaurar a confiança, a disputa tornou-se cada vez mais acrimoniosa. Em certo momento, um grupo de detentores de títulos exigiu que Hui Ka Yan, presidente da Evergrande, injetasse 2 bilhões de dólares de seu próprio capital. Posteriormente, o Sr. Hui foi detido pelas autoridades chinesas, e seu paradeiro é desconhecido.

A crise imobiliária abalou a confiança dos investidores globais na formulação de políticas chinesas e agora está prejudicando a reputação de Hong Kong. Durante décadas, investidores estrangeiros obtiveram acesso à China por meio de Hong Kong, cujo sistema jurídico, baseado no direito consuetudinário, é uma de suas características distintivas. No entanto, as decisões judiciais em Hong Kong não têm garantia de serem reconhecidas na China continental, onde estão localizados a maioria dos ativos da Evergrande.

O administrador nomeado por um tribunal de Hong Kong enfrentará negociações com autoridades locais que podem não reconhecer uma ordem emitida fora do sistema jurídico chinês. Embora um projeto-piloto para reconhecer decisões transfronteiriças tenha sido implementado em 2021, os critérios de qualificação são rigorosos e o regime é reconhecido apenas em algumas localidades. Decisões tomadas em Hong Kong podem ser facilmente anuladas por tribunais continentais se forem consideradas potencialmente perturbadoras da ordem pública.

De fato, conforme observado por Tommy Wu, do Commerzbank, um credor alemão, uma liquidação completa dos ativos chineses da Evergrande provavelmente causaria um impacto na economia chinesa. As incorporadoras imobiliárias venderam muitas propriedades a cidadãos comuns chineses que ainda não foram entregues. As reivindicações dos investidores sobre os projetos da Evergrande, ou sobre qualquer reserva de caixa que possa existir, podem comprometer sua entrega. Isso contrariaria os esforços de Pequim para restaurar a confiança no mercado. Qualquer movimento nessa direção seria considerado inaceitável pelas autoridades, praticamente garantindo um processo de liquidação prolongado e complexo.

A recente decisão de Hong Kong deixa espaço para reestruturação, com o juiz observando que a Evergrande ainda pode apresentar tal proposta aos credores. A empresa afirma pretender elaborar um novo plano, possivelmente até março, e agora que um liquidatário está assumindo as negociações, há uma melhor chance de um acordo. No entanto, este acordo provavelmente não envolverá muitos ativos chineses, o que é problemático para uma empresa cuja principal base de ativos está na China. A liquidação da Evergrande representa um novo ponto baixo na crise imobiliária chinesa e está longe de ter acabado.

Qual é o impacto da liquidação da Evergrande no Brasil? Algumas das implicações de uma crise no mercado imobiliário chinês, como evidenciado pela crise da Evergrande, para o Brasil incluem: menor demanda por minério de ferro, desaceleração do crescimento econômico e redução do consumo pela população chinesa.

Esse setor consome grandes quantidades de minério de ferro, o que afeta a construção de novas residências; a commodity também é impactada. Com a diminuição da demanda por minério, os preços caem e as receitas das empresas exportadoras de ferro também são afetadas.

Na segunda-feira, empresas brasileiras já estão sendo impactadas. As ações da Vale (VALE3) recuam 1,42%, Gerdau (GGBR4) 1,97%, CSN (CSNA3) 1,21%, e Usiminas (USIM5) apresenta a maior queda, de 3,05%.

As perspectivas não são positivas para as exportações brasileiras em geral. Como o setor imobiliário gera empregos na China, a falência de empresas resultaria em desemprego e afetaria o crescimento econômico.

Com a subsequente redução do consumo, a China poderia diminuir suas importações do Brasil, enfraquecendo assim a economia brasileira.