Crônica de uma Semana Paradoxal: Entre o Alerta Fiscal do TCU, o Déficit Desesperador das Estatais e os Recordes Históricos do Ibovespa

A economia brasileira proporcionou aos investidores uma semana de emoções conflitantes, operando em uma dualidade que já se tornou uma marca registrada do país. De um lado, a tensão em Brasília atingiu um novo patamar com o embate entre o Ministério da Fazenda e o Tribunal de Contas da União (TCU), lançando uma sombra sobre a sustentabilidade do arcabouço fiscal. Do outro, o mercado financeiro, em um movimento de aparente dissociação, engatou uma forte alta, levando o Ibovespa a renovar suas máximas históricas. Mas o que explica esse aparente paradoxo? Para entender, é preciso mergulhar nos principais vetores de risco e otimismo que ditaram o ritmo dos negócios.

ECONOMIA

Marcelo Donizeti Arruda Oliveira Junior

10/3/20255 min ler

a stack of money sitting on top of a table
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O Paradoxo Brasileiro: Ibovespa Ignora Risco Fiscal e Renova Recordes Históricos

Analisar o cenário econômico brasileiro é, muitas vezes, um exercício de equilibrar pratos que giram em direções opostas. A semana que se encerra é a materialização perfeita desse paradoxo: enquanto os fundamentos fiscais do país emitiam sinais de alerta que beiravam o desespero, o mercado de capitais celebrava recordes com uma euforia contagiante. Para o investidor, decifrar essa aparente contradição é a chave para navegar em um ambiente de riscos elevados, mas também de oportunidades notáveis.

Mergulhamos a seguir nos detalhes que definiram este panorama complexo, desde o embate em Brasília até as projeções de gigantes financeiros globais e a performance impressionante da nossa bolsa.

Ponto 1: TCU em Alerta Máximo e a Credibilidade Fiscal em Jogo

O epicentro do nervosismo doméstico foi o embate entre o Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad, e o Tribunal de Contas da União (TCU). Um relatório contundente, relatado pelo ministro Benjamin Zymler, apontou que quase R$ 90 bilhões em gastos foram executados entre 2024 e 2025 por fora das regras do arcabouço fiscal, através de seis manobras distintas.

A crítica do TCU é dura: a prática "mina a credibilidade fiscal e pode atrapalhar o controle da dívida pública". A consequência, caso o parecer seja mantido, é a potencial necessidade de um congelamento de R$ 34 bilhões do orçamento, uma medida de impacto severo em pleno ano eleitoral.

Haddad defende a pasta, argumentando que a interpretação do TCU contraria decisões já tomadas pelo Congresso. Ele sustenta que o governo optou por excluir despesas específicas – como o socorro contra o "tarifaço" – em vez de alterar a meta fiscal, utilizando a flexibilidade prevista no novo arcabouço. Para o TCU, no entanto, essa escolha é pior que a mudança da meta. O tribunal argumenta que a manobra dificulta a ancoragem das expectativas, eleva os juros que o Brasil paga para rolar sua dívida e, fundamentalmente, aumenta a desconfiança no compromisso do governo com a responsabilidade fiscal.

Ponto 2: O Déficit Desesperador das Estatais

Somando-se à pressão fiscal, os números das empresas estatais acenderam um alerta vermelho intenso. As companhias federais acumularam um déficit recorde de R$ 5,6 bilhões entre janeiro e agosto. Este não é apenas um número ruim; é o pior resultado de toda a série histórica do Banco Central, iniciada em 2002. A deterioração é alarmante, representando uma alta de 65% sobre o rombo de R$ 3,4 bilhões registrado no mesmo período de 2024.

O relatório do BC é claro: em vez de gerar lucros e ajudar a reduzir o déficit público, como ocorria no passado recente, muitas estatais se tornaram um verdadeiro "ralo de dinheiro público", sugando cada vez mais recursos do Tesouro Nacional. E o problema não se restringe à esfera federal. As estatais estaduais também registraram um déficit de R$ 2,3 bilhões no período. A questão que fica é: até que ponto um patrimônio do Brasil está se tornando um pesadelo para as contas públicas?

Ponto 3: A Tese do Dólar Fraco Ganha Corpo

Enquanto o Brasil lidava com seus demônios fiscais, o cenário global trazia um prognóstico que ajuda a explicar parte do otimismo local: o possível fim dos "dias de glória" do dólar. Dois dos mais respeitados nomes das finanças globais, Luiz Stuhlberger (Verde Asset) e Kenneth Rogoff (ex-FMI e professor de Harvard), fizeram previsões impactantes.

Stuhlberger aposta que, quando os juros nos EUA iniciarem um ciclo de cortes e atingirem o patamar de 2,5%, haverá uma corrida global para sair da moeda americana. Ele nota que, mesmo após cair 10% em 2025, o dólar ainda se encontra acima de sua média histórica, necessitando de mais uma queda de 10% para retornar ao seu valor de longo prazo. Rogoff complementa, prevendo uma queda global de 5% a 10% nos próximos dois a três anos, argumentando que a "guerra econômica" do governo Trump, que troca o soft power pela força, está custando caro à hegemonia do dólar.

Nessa migração de capital, para onde iria o dinheiro? Stuhlberger lista os potenciais destinos: Ouro, prata, cobre, urânio, ações de infraestrutura e até Bitcoin.

Ponto 4: A Euforia do Ibovespa e Seus Motores

Eis o grande paradoxo. Em meio a tantos alertas, o Ibovespa engatou uma alta vigorosa, acumulando 21,5% de valorização em 2025 – a maior para o período desde 2017. O desempenho, medido em dólar, é ainda mais espetacular: uma alta de 41%, refletindo não só a subida da bolsa, mas também a queda da moeda americana. E tudo isso com uma Selic a 15% ao ano.

O que explica essa performance? Basicamente, três grandes motivos:

  1. Cenário Externo Favorável: A tese do dólar mais fraco e a expectativa de juros menores nos EUA levam investidores globais a buscar retornos mais altos em mercados emergentes.

  2. Perspectiva de Queda da Selic: O mercado se antecipa a um ciclo de cortes da Selic em 2026. Juros mais baixos significam crédito mais barato e maior lucratividade para as empresas, e os investidores compram na frente.

  3. Ações Baratas: Vários indicadores mostram que as empresas brasileiras ainda estão avaliadas abaixo de suas médias históricas. Com um saldo estrangeiro que já ultrapassa R$ 26 bilhões no ano, fica claro que o investidor global está de olho nessas oportunidades.

Ponto 5: A Inundação Chinesa e a Reconfiguração do Comércio Global

Em outra frente, a China acelera seu motor exportador de forma avassaladora. Mesmo com as tarifas dos EUA, o país asiático registrou um superávit comercial de R$ 1,2 trilhão em apenas cinco meses. Com a porta dos EUA mais fechada, a China desovou seus produtos no resto do mundo com preços extremamente agressivos.

Isso gera um alarme global. O México cogita tarifas de 50% sobre carros e aço. A Índia já abriu mais de 50 investigações antidumping. A Indonésia monitora importações ultrabaratas, como calças jeans vendidas a 80 centavos de dólar. Em contraste, o Brasil abre espaço para fábricas da BYD sem tarifas, buscando atrair investimentos. É uma reconfiguração geopolítica em tempo real, com vencedores e perdedores.

Notas Adicionais e Agenda da Semana

No campo político, o governador Tarcísio de Freitas reafirmou sua candidatura à reeleição em SP, mas o mercado lê o movimento como tático. A isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil foi aprovada por unanimidade na Câmara, uma notícia de impacto social e fiscal.

Para a próxima semana, a agenda traz a divulgação do IPCA (nossa inflação oficial), a ata da última reunião do Fed e a reunião da OPEP+ no domingo, que pode influenciar os preços do petróleo, que já caíram fortemente nesta semana.